Vai fazer em Setembro um ano que parti à descoberta da região do Douro de mochila às costas. Foi uma viagem até Vila Real para apresentar num congresso de Antropologia os resultados da minha dissertação de mestrado. Encontrei-me lá com uma amiga, mas a viagem de ida e volta fiz sozinha, pela primeira vez. Fui tranquila e com espírito de aventura, certa de que entre apanhar um avião, um autocarro e um táxi que me levariam de Faro a Vila Real, alguma coisa engraçada me poderia acontecer. Durante o tempo em que viajei sozinha, nunca me senti só. 




Lembro-me de algumas personagens que se cruzaram comigo pelo caminho. A primeira pessoa marcante foi o rapaz dos 20€ da paragem de autocarros. Estava eu a ler um livro, esperando a minha hora de me pôr a caminho de Vila Real, quando fui interrompida por um rapaz que me pediu que lhe desse dez cêntimos. O discurso dele era o de que precisava de 20€ para comprar o bilhete para Lisboa. Eu, que não sou de dar dinheiro a ninguém, pensei: "São só 10 cêntimos" e dei. Devia ter percebido pela forma como tinha o discurso decorado que aquilo era uma prática recorrente, mas não percebi. Fiquei de olho nele e repetiu o processo com uma série de pessoas. Aquilo era um sítio de passagem, num vai e vem de pessoas em rota para os seus destinos, portanto a maioria da gente acabava por lhe dar o dinheiro e ir à sua vida. Eu fiquei uma hora e meia em trânsito, por isso percebi quando disse a alguém que já tinha os 20€ para o bilhete. Vi quando foi à bilheteira e, qual foi o meu espanto, quando o vi, passados uns 10 minutos depois de ir à bilheteira, continuar com o mesmo ar de desgraçado a abordar pessoas com o mesmo discurso. O que fez na bilheteira foi trocar as moedas. Nunca na vida lhe deve ter passado pela cabeça comprar bilhete algum para Lisboa! O que é que fiz? Ri-me e pensei: "porque é que não tenho ninguém conhecido comigo para partilhar isto?".




A 2ª personagem caricata foi o senhor que me ajudou a encontrar um táxi em Vila Real e me convidou para um café. Eu não aceitei o café porque minutos antes ele tinha acabado de me convidar para entrar no seu carro para me levar ao táxi. Tudo normal, não fosse ele me ter já indicado que os táxis estavam atrás do edifício do tribunal que ficava à nossa frente. Era só subir a avenida para lá chegar! Não era longe e achei aquilo suspeito. Agradeci a boleia e disse que preferia caminhar. Em seguida recusei o café porque estava desejosa de me afastar daquele ser estranho que me convidou para percorrer uma distância de poucos metros no seu carro. Poderia não ser nada de mal, mas justamente por estar sozinha senti que devia ser cautelosa.





Fiquei alojada numa quinta de turismo Rural, a Quinta da Cumieira. A Cumieira é uma pequena Vila nas Costas de Vila Real e a quinta tem recantos e encantos no meio de tanto verde das vinhas. 
À chegada, o taxista deixou-me à entrada da Quinta. Vi um portão grande entreaberto e uma parede cheia de hera. Quando entrei lembro-me do som solitário e sofrido de uma guitarra a tocar. Vi no cimo de umas escadas, debaixo do alpendre, um jovem que tocava. Foi ele que me recebeu, como um dos responsáveis pela Quinta. O som da guitarra dele viria a acompanhar-me em algumas noites da minha estadia por lá, quando se punha a tocar no jardim por baixo da minha janela.









A Quinta tem muito hectares de vinhas que se estendem muito além deste sobreiro, num vale vertiginosamente encantador. Eu não teria ido tão longe, mas o vale além do sobreiro foi recomendado pelo rapaz da guitarra. Disse-me que é um dos seus sítios preferidos e falou-me da ponte construída recentemente que, segundo ele, veio estragar a paisagem. Lembro-me de num dos fins de tarde,ter ido a banhos na piscina, à minha volta o verde da paisagem e, ao longe, o som da trovoada. 




Deve ter sido a viagem que fiz onde mais me encontrei comigo mesma. Gostei da sensação de tomar as decisões por mim mesma, sem ter que me preocupar com um outro alguém. Fiz o que quis, ao meu ritmo e apreciei os momentos e os lugares de forma muito mais intensa. Se senti falta de alguém? Claro! Pensei o tempo todo porque é que o namorado não está aqui para ver isto ou aquilo, ele ia gostar. Lamentei não ter ninguém com quem partilhar algumas coisas caricatas, mas enfim, sobrevivi.   
No autocarro do percurso Vila Real - Porto sentei-me ao lado de uma senhora. Eu estava numa de fazer uma viagem tranquila e apreciar a paisagem, mas logo no início do percurso vi pela janela algo que me pareceu fumo vindo da floresta. Comentei com a senhora se seria um incêndio e foi o suficiente para se acabar o meu sossego. Aconteceu então toda uma viagem de conversa em que a senhora, professora primária reformada do tempo em que ser professor era um posto importante, me contou a sua vida. Nascida em Bragança, apaixonada por Lisboa, vive agora dividida entre as suas duas casas, preocupada com o sobrinho de pais negligentes. O que seria daquele moço se não fosse ela e o seu dinheiro! Eu, de mim, só me lembro de lhe ter contado que tinha terminado nesse ano os estudos, o que explicou o motivo que me levou a Vila Real. O resto foi preenchido com histórias dela. Seja como for, despedimos-nos na chegada ao Porto com um abraço e votos de muitas felicidades. Ainda teve tempo para uma última recomendação, de que eu seguisse para doutoramento porque, nas suas palavras, "é importante estudar".



Já que passei pelo Porto aproveitei as últimas horas antes do avião para descer até à zona ribeirinha. Aproveitei o pôr do sol, recordei memórias antigas e diverti-me a ver as pessoas. Comi um hamburguer com vista para o rio (a esplanada, não o hamburguer!) e ri-me com as tentativas falhadas de me enquadrar numa selfie com o rio e a ponte nas minhas costas. Ainda houve tempo para me sentir ridícula a tirar selfies sozinha e divertir-me tanto com isso.










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