Os piropos
30.9.16Era o fim de uma manhã de sábado e havia uma silenciosa azáfama no local onde decorre o mercado semanal cá da terra. Os feirantes desmontavam as suas bancas e eu vinha do trabalho, passando a pé numa rua mesmo ali ao lado. Tinha uma t-shirt largachona vestida, uns shorts de ganga e uns stilettos calçados. Por isso ou por outro motivo qualquer, durante o percurso até chegar ao carro tive que ouvir as bocas de dois cabrões que inromperam do nada, como se tivessem o direito de comentar sobre as minhas pernas, sobre o faço-te isto e aquilo e sabe-se lá mais o quê. Não passava mais ninguém além de mim e à excepção daquelas duas almas todos os restantes se mantiveram ocupados nas suas tarefas. Quis-me parecer que éramos só eu e eles e eu a ver-me tão vulnerável. Não me senti minimamente lisonjeada, apenas apressei o passo para chegar mais rápido ao carro e deixar de os ouvir. Senti uma raiva crescente dos dois por me tratarem como um objeto e por perceber que ser mulher, nos tempos que correm, ainda é, entre tantas outras coisas, isso: o não poder vestir o que queremos e circular na rua sem que estejamos sujeitas a este tipo de situações.