Uma amiga minha é budista. Acho o máximo e graças a ela compreendo muito melhor os budistas. A Clara, a minha amiga, é uma pessoa tranquila que vive a tentar encontrar-se e conhecer-se e procurando um caminho que lhe faça sentido. No meio da sua passagem pela vida cruzou-se comigo. E eu, felizmente, cruzei-me com ela.


Conhecemo-nos na universidade. Éramos colegas de curso, mas ficámos amigas para a vida, parece-me. Ela anda sempre por aí, passamos grande parte do tempo separadas, mas quando nos encontramos parece que nos vimos ontem e que falamos todos os dias. Se quiser encontrar uma memória de mim tranquila na vida, tenho que recorrer a um momento passado com a Clara. Lembro-me daquele final de tarde de Outono que passámos no mosteiro budista do Malhão. O mosteiro do Malhão fica no cimo de um monte e, por ser um sítio alto, permite-nos uma vista linda. Lembro-me de lá estarmos as duas, sentadas, a ver a serra e, ao longe, na linha do horizonte, o mar.  Estávamos em silêncio, a aquecer-nos com os últimos raios de sol. Ela começou a cantar os seus mantras e eu respirei fundo. Pensei, naquele dia, que a vida deveria resumir-se a isso: nós tranquilos e sem grandes merdas em comunhão com o mundo à nossa volta. Eu não sou uma pessoa religiosa ou muito espiritual, mas aquele momento fez-me muito sentido. Percebi que no fundo é isso que ela tenta encontrar, uma forma de simplificar as coisas e de estar no mundo.

Ontem a Clara enviou-me uma mensagem sms. Como eu estava a trabalhar e não me queria distrair, em vez de lhe responder por sms, o que daria origem a uma longa conversa por escrito, peguei no telefone e liguei-lhe para falarmos e ser mais rápido. O telefone tocou, tocou e finalmente percebi que alguém atendeu. Atendeu mas não disse nada. Fez-se silêncio. "Clara?" - perguntei eu. No outro lado, finalmente, um som. Um murmúrio sem palavras. Então percebi: a Clara está novamente a fazer voto de silêncio por tempo indeterminado! 

Já me encontrei duas vezes com ela durante o seu tempo de introspecção sem palavras e garanto-vos que não é fácil estarmos a conviver com alguém que não fala porque não quer. Eu respeito isso, até lido bem com o assunto, mas no meio da nossa atrapalhação para comunicar rio-me a bandeiras despregadas. A Clara acha graça que eu lhe ache graça. Ontem não dava para falarmos. Quando estamos com a pessoa, há os gestos e, em último caso, recorre-se a uma folha para escrever e transmitir as ideias. Isto também não é um processo rápido, ou fácil, porque ela é disléxica, mas lá nos entendemos. Agora por telefone não dá! Enviou-me sms quando desligámos e disse-me: "Podemos falar. O som de um beijo significa SIM, dois beijos significa NÃO". Eu imaginei a dificuldade de ter que lhe fazer perguntas para obter um sim ou um não e para conseguir chegar ao esclarecimento que queríamos. Não dava. "Falamos por sms. Mais fácil assim!" E assim foi.     

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