Dizem que agosto é o mês mais tranquilo em Córdoba. Compreendo que deva ser, porque ninguém, no seu perfeito juízo, deveria querer ir para uma cidade situada na profunda e esturricante Andaluzia, naquele que é, supostamente, um dos meses mais quentes do ano. Ninguém excepto eu e outras tantas pessoas que, em boa verdade, não me pareceram assim tão poucas (e nem tão loucas, vá), e que enchem a cidade de vida um pouco por todo o lado. 

Vou deixar para depois falar-vos dos dias fantásticos que passei por lá e dos locais que visitei, mas adianto que é uma cidade linda, cuja história e cultura vale a pena conhecer, e cujas raízes estão muito bem visíveis e preservadas.  


Por lá circulava gente de muitas nacionalidades diferentes e cruzei-me com nipónicos, europeus e até mesmo gente do médio oriente e América do norte. Ainda que não estivesse em mente aproveitar esta viagem para preparar o ensaio fotográfico deste mês para o off sight, parece-me que teria sido difícil fotografar sem ter sempre alguém à frente da minha lente. Além disso, as cidades têm sempre mais sentido quando nelas se incluem as suas pessoas.  

Só quando em casa revi as fotos é que refleti sobre os contrastes da cidade. Aí percebi-lhe os jogos de luz, que me atraíram, ainda que de forma inconsciente. Face à cor areada dos seus edifícios sob a luz quente do sol, as sombras das ruas estreitas, dos arcos, pátios, janelas e portas de influência árabe, captaram a minha lente. O que me cativou nas pessoas, foi a sua necessidade de transitarem entre a sombra e o sol, ou até mesmo de se demorarem na primeira. Vi gente a refrescar-se, a caminhar nas ruas quentes, a demorar-se no interior fresco da Mesquita, a brincar, a proteger-se do sol e a trabalhar, tudo bafejado por um rendilhado misterioso de culturas diversas. 

Pela primeira vez tive uma situação constrangedora por estar a fazer fotografia de rua, derivada daquilo que não foi, no meu entendimento, mais do que um mal entendido. No segundo dia em Córdoba, um senhor achou que eu estava a fazer um retrato dele e da mulher, e começou a disparatar comigo porque ela não podia ser fotografada, já que era muçulmana. A senhora também pensou que eu estava a fotografá-la e aparentemente fez-me sinal a dizer "não" (segundo me contou o Sérgio, que estava a observar-nos de longe), mas eu não vi porque tinha a máquina na cara e não estava realmente focada neles. 

Quando me apercebi que estavam a falar comigo tentei explicar que estava tudo ok, mostrar-lhe as fotos, mas ele não me deixou explicar e só dizia para apagar, que não podia fotografar sem pedir autorização e aquilo que todos já sabemos. Isso deixou-me sem vontade de fotografar nesse dia e foi uma quebra brutal de inspiração. Por ironia do destino, desde que tinha pegado na máquina de manhã, e perante uma cidade tão cheia de gente, andava justamente a debater-me com a questão do direito de imagem que nos assiste a todos. Como queria publicar as fotos no blogue andava a ensaiar maneiras de fotografar as pessoas sem as expor demasiado, até porque me apetecia tirar fotos diferentes, e achei que precisava de desconstruir o tema "pessoas". 


Perante esse exercício, o que me deixou chateada na situação foi que o senhor me tivesse acusado de algo que eu própria estava a desafiar-me a contrariar, mais do que em qualquer outro dia em que tenha saído de casa para fotografar. A maioria das fotos desta publicação foram justamente tiradas nesse dia, pois nos seguintes decidi esquecer-me do off sight e focar-me noutros detalhes da cidade. Não me apetecia nada voltar a ter chatices com pessoas.  


Vocês também se debatem com a questão da privacidade ao fotografar pessoas? Alguma vez tiveram alguma situação constrangedora devido a isso? Que estratégias utilizam para evitar estes problemas (além de pedir autorização para fotografar alguém, claro!)? Contem-me tudo, tudo e tudo e depois não se esqueçam de ir cuscar o que terá inspirado as minhas off sight partners neste fantástico mês de agosto, sim? :)


12 comentários

  1. Vânia, aquela primeira foto está brutal! Gosto mesmo das luzes e do contraste em todas elas! E acho que fotografias de cidade fazem sempre mais sentido com pessoas :)

    Essa questão da privacidade...bem. É complicada. Porque eu tento fazer o mesmo que tu - a não ser na ocasional foto "tenho mesmo que te apanhar", mas penso que legalmente podes fotografar as pessoas em espaços públicos - pelo menos quando as fotos não têm fins comerciais, penso. Publicá-las, já é outra história, se não me engano! Eu tento evitar que seja possível identificar as pessoas nas minhas fotos, se possível, precisamente por uma questão de respeito, mas a magia da fotografia de rua também é essa - encontrar o equilíbrio perfeito.

    Jiji

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pelas dicas. Estou com vontade de explorar melhor o assunto dos direitos de imagem, para ver como funciona. :)

      Eliminar
  2. Este mês quando fiz a seleção das fotografias algumas deixei de parte precisamente pela questão da privacidade, porque eram fotografias em que as pessoas estavam realmente de frente para mim e completamente expostas, mas penso que em espaços públicos e excepto indicações em contrário tens direito a fotografar. Quanto à publicação não sei muito bem como funciona. De qualquer forma, adorei mesmo muito as tuas fotografias. A primeira é absolutamente deslumbrante e aquela em que se vê o pai e uma criança a pular de trás é das minhas preferidas. Acho que o preto e branco resultou mesmo muito bem em algumas das fotografias. Dá gosto só ficar a olhar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, é um problema porque muitas vezes, sobretudo em locais muito visitados, é muito difícil tirar fotos sem acabar por incluir alguém. Normalmente fotografo as pessoas de costas, ou desfoco-as, ou se estão longe fico tranquila porque sei que não se vai perceber quem é, ou então mostro a foto à pessoa e interajo, se sentir abertura para isso... mas neste caso de Córdoba foi mesmo por uma questão religiosa, e ele exaltou-se mais do que seria suposto, principalmente porque eu nem percebi inicialmente que a mulher estava a fazer-me sinal. Eu nunca a inclui na foto! lol Enfim, foi chato, mas deixou-me alerta. Vou ter mais cuidado, sobretudo se me aperceber que há muçulmanos por perto.

      Eliminar
  3. Bem, Vânia, estás mesmo pro! As tuas fotos estão absolutamente soberbas. A sério, parecem mesmo tiradas de um livro de fotografia de rua. Lindo, lindo trabalho. A primeira foto e aquelas dos pés dos turistas são as minhas duas favoritas, mas só se tiver que escolher. Caso contrário... são todas!

    www.joanofjuly.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada Catarina! Também gostei muito das tuas este mês, completamente festival de verão! :)

      Eliminar
  4. Vou-te dizer mais do mesmo: adoro as tuas fotos. Ah, e ficaram ainda mais perfeitas a preto e branco.

    ResponderEliminar
  5. Vânia, adorei este teu Off Sight! <3 Tanto jogo de luz e sombra bonito, minha nossa! Nem consigo escolher uma preferida. Quanto à situação de fotografar as pessoas, eu tenho imenso medo de ofender alguém e de ter problemas em publicar determinadas fotos. Já tive pessoas que me disseram para não as fotografar e pessoas que claramente fugiram da minha beira com o receio de estarem a aparecer na minha fotografia... Acho que cá em Portugal não existe muita confiança e as pessoas partem do princípio que vamos fazer algo errado com as fotografias. Eu aceito o facto de não quererem aparecer na foto, estão no seu direito. Mas podem abordar o fotografo com educação e dizer isso mesmo, sem serem desagradáveis.

    ResponderEliminar
  6. Cheguei aqui, por intermédio do blogue da Marta... e adorei este teu espaço ligado à fotografia!
    Também tenho um blog de fotografia! Se nos desejares visitar, estamos em artandkits.blogspot.com e adoraríamos ter a tua presença, por lá!
    Beijinhos! Tudo de bom!
    Ana

    ResponderEliminar

Com tecnologia do Blogger.