Foi fácil encontrá-lo. Ao chegar ao centro de Monchique percebi-o vigilante no cimo do monte, e daí até descobrir o caminho que nos levaria lá foi um instante. Há placas que indicam "Convento" e o caminho pode fazer-se a pé ou de carro. É a subir e obriga a uma caminhada por ruelas caricatas. Nós tomámos a decisão acertada, que foi a de ir a pé, por isso saboreámos o percurso e a paisagem. O convento escondia-se, de paredes altas e intactas, por entre um cerrado sobral, monte acima, depois de um velho caminho de pedras de calçada salteadas e resistentes.


Só depois das fotos pesquisei sobre ele. Até lá, sabia apenas o que me contou o senhor que nos convidou a entrar para ver as ruínas, assim que chegámos. Acolheu-nos simpático, apontou para a porta de casa e disse que teríamos que entrar por ali para ver as verdadeiras ruínas do convento. Por cima da porta, na parede, em letras vermelhas e toscas, estava escrito "família". Desapareceu porta adentro, antes que nos aproximássemos o suficiente para encetar conversa. Tivemos que o seguir.


Antes de entrar, espreitámos pela porta. Estava escuro. O Sérgio estava comigo, e para lá da sala bagunçada, fria e desaconchegante, de frasquinhos e pertences deixados em cima de bancadas sujas, vi um pátio iluminado e verdejante. Entrámos relutantes, a sentir-nos a invandir a privacidade de um outro alguém, e encontrámos o senhor no lado de lá, à sombra das árvores, de pé, à nossa espera. Rapidamente nos disse, com o à vontade de quem o explica muitas vezes, que as freiras se foram embora há quarenta anos, e que a Câmara comprou aquilo para fazer um museu ou uma pousada. Deixou claro que não é dele, que vive ali enquanto o deixarem ficar, mas que estivéssemos à vontade, que por ali era o convento (e apontou para a direita). 


Foi estranho estar assim, no meio do pátio dele, mas sentimos que podíamos, não nos levava a mal. Pelo contrário, pela forma como insistiu que entrássemos, pareceu-nos uma ofensa maior não o fazer. A forma acolhedora como nos recebeu contrastava em muito com as palavras escritas a vermelho por todo o lado, e que vimos assim que nos aproximámos do convento pelo lado de fora. Palavras como "private", "família" e"dog", na minha leitura, clamavam por distância e recato, por um merecido respeito. 


Face a tudo isto, dei comigo a pensar, na altura, que aquele convento era/é, tudo menos um lugar abandonado, o que lhe deu/dá um sentido completamente diferente. Por essa altura também já me estava a parecer que esta seria, de longe, a experiência que mais me marcaria no Off Sight, pelo menos até ao momento. Ver aqueles pátios cuidados e organizados, tão cheios de pequenos detalhes com significado para alguém, em contraste com as paredes esquecidas, de planos adiados por outros, deu-lhe um significado maior.


Seguimos para a direita, como nos indicou. Atravessámos uma entrada em arco, sem porta, e não controlei a minha boca com o espanto pelo que vi a seguir. Subitamente estávamos num pátio sem telhado, com paredes altas tomadas pelo tempo, bonitas arcadas em pedra, e verdejante vegetação pendente. Sentia-se a humidade da serra no ar e nas paredes, e comentei com o Sérgio que aquele era um cenário digno dos exploradores que encontram templos perdidos em plena selva. Senti-me encantada com o que quer que seja que aquele lugar tinha e que me transmitiu, mas que até mesmo agora que estou a escrever, não consigo muito bem explicar.


Mecanicamente controlei-me, ignorei a vontade de ver tudo, de ir a todo o lado, e concentrei-me nos detalhes, no vazio aparente do espaço, tão altivo, despido, mas estranhamente acolhedor. Ouviam-se os pássaros a cantar, e meia dúzia de pintos andavam por ali a esgravatar avidamente. Havia paz. Agarrei a câmara até então pendurada no pescoço e persegui os detalhes deixados pela vida verdejante na pedra, as sombras, os rasgos de luz por todo o lado, refletidos nas paredes, no chão... deixei-me ficar por ali uns bons minutos até perceber que o Sérgio já tinha percorrido tudo com o olhar e estava com um ar entediado. Eu percebi porquê, é que ele não tinha o mesmo entusiasmo que eu, ao tentar captar a luz misteriosa daquele lugar. No regresso pudemos trocar com o senhor mais meia dúzia de palavras e agradecer-lhe por nos ter deixado entrar. Vim com uma estranha vontade de me demorar por ali um pouco mais, mas também percebi que mais valia deixá-lo descansado, afinal aquele convento é, também, a sua casa. 

Que paragens terão andado a explorar as Off Sight Girls deste mês? Vamos espreitar? :)

7 comentários

  1. Em primeiro lugar quero-te dar os parabéns pela tua escrita tão cativante e tão bem conseguida. Adorei ler-te a cada palavra. :)
    Quanto às fotos, tenho a dizer que a segunda até me deixou com um arrepio na espinha... Inicialmente parecia um lugar tão creepy mas afinal acaba até por ser o contrário visto que ainda habita aí gente!
    Muitos parabéns pelo teu trabalho.
    Beijinho

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  2. Sempre foste ao Mosteiro em Monchique, yey! É realmente um espaço com história e muito bonito, fiquei com vontade de entrar na tela e explorar cada detalhe que conseguiste captar tão magnificamente bem. Fiquei apaixonada por aquela gaiola tãooo vintage, adorava te-la em casa só para olhar para ela ou ter plantinhas lá dentro :D

    Viver a Viajar

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  3. As fotos estão lindas (as always), o texto também (as always). Sr.ª D. Vânia, sou assumidamente sua fã! :)
    Beijos

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  4. Este mês as fotografias estão mesmo muito interessantes. Das tuas nem sei dizer qual gosto mais, mas agradou-me sobretudo a história do lugar.

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  5. Brutal, Vânia, adorei este post! Não sei se gostei mais da história que contas ou das fotos. Consigo imaginar o ambiente, a vossa interacção estranha com o senhor, a humidade, o verde da serra. 5*

    Jiji

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  6. Uau, adorei as palavras e as fotografias. Parabéns*

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  7. Já por várias vezes reparei nas indicações desse convento mas nunca fui, agora vejo o que perdi! Muito bonito!

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