Hoje o céu acordou cinzento, resquícios de que a terra arde novamente a largos quilómetros daqui. O ar pesado da manhã trouxe-me memórias de há uns anos atrás quando também o terror dos incêndios veio agitar os dias tranquilos da minha terra. Lembro-me da noite em que, ao longe, o som ensurdecedor das chamas a consumir tudo quebrava o silêncio, matando pelo caminho todos os restos de vida, numa caminhada galopante para as povoações. Foram dias a acordar com as cinzas a tisnar-nos a pele e a poluir-nos o ar. Contra tudo isto inúteis assistimos às paisagens de uma vida a desaparecer. Foram dias difíceis, de coração apertado. Os incêndios... não sabemos exactamente como começam e nunca saberemos como irão terminar. Não se percebe as medidas de quem os combate, cresce indignação quando nos obrigam a abandonar a casa de uma vida, não nos deixando ficar e lutar por ela. Odiamos as regras impostas porque no torpor de toda a inquietação perdemos a razão. Em contraste, também se vêm crescer os laços de solidariedade, numa genuína preocupação com o outro que é nosso amigo, familiar, vizinho, ou até mesmo nada! Juntam-se forças pelos heróis que no terreno e muitas vezes sem o conhecer, procuram travar o avanço das chamas numa luta tantas vezes inglória. Os incêndios não são fáceis de combater, ou de perceber e sobre eles só sei que têm essa capacidade assustadora de deixar atrás de si uma desolação imensa. Contudo, depois de se extinguirem, as plantas brotam da terra revitalizada com mais força e nós conseguimos erguer-nos das cinzas. Quando tudo passa já não se ouvem os helicópteros nem as sirenes e a vida serena-se e reconstrói-se a cada novo dia. Haveremos sempre de sobreviver-lhes, de uma forma ou de outra. 

3 comentários

  1. Em tempos de calamidade, nós portugueses que gostamos de olhar para o lado, superamos tudo e damos as mãos. E sim, sobreviveremos. Um beijo

    ResponderEliminar
  2. Mais um texto belíssimo Vânia. Já te disse que escreves muito bem? :)

    ResponderEliminar

Com tecnologia do Blogger.