O Off Sight continua conforme previsto no mês passado, e nesta segunda publicação do projeto até temos convidados especiais. Sim, o nosso grupo cresceu, e era mesmo essa a intenção. Contudo, sobre isso falo-vos um pouco mais baixo, porque agora estou mesmo é em pulgas para vos contar como foi fotografar esta velha fábrica de cal que jaz inerte e serena, decadente e tranquila, à saída da A22. 

Sempre a senti como uma presença forte, com as suas paredes de betão a ressurgir no meio da vegetação. Na verdade nem a sabia como fábrica de cal. Desde que me lembro de passar naquela estrada, no nó da A22 entre Olhão e Tavira, que via aquele edifício imponente abandonado ao sabor das intempéries e da sua sorte, cada vez mais vandalizado, escrito e riscado, tomado pela vegetação do barrocal algarvio. 

Nunca me lembrei de questionar sobre ela e tinha-a apenas como uma velha fábrica de qualquer coisa, certa de que tinha deixado de servir os seus propósitos e  ali ficado, assim, parada. Quando surgiu esta ideia de fotografar locais abandonados lembrei-me imediatamente dela, nunca imaginando o que lá poderia encontrar.

Antes de lá ir, perguntei ao meu pai, ao Tio Badé  e ao Tio Cálinhas o que foi. Uma antiga fábrica de cal pertencente ao Champalimaud, responderam eles, e mais não sabiam. O tio Cálinhas, lembrava-se ainda de haver outras no algarve, nomeadamente no concelho de Loulé. Eu desconhecia. É fácil perceber que essas fábricas devem ter fechado em virtude da alteração da procura da cal, com cada vez mais pessoas a optar pela tinta para pintar as paredes. 

Convenci o Sérgio a acompanhar-me à antiga fábrica, porque me amedrontava um pouco, por não saber quem ou o que é que poderia lá encontrar. Visitámo-la num fim de semana de tréguas da chuva, quando a temperatura estava amena e o sol convidava a fotografar, esforçando-se por romper entre o céu nublado.
   
Foi entusiasmante descobri-la e nela senti, a determinada altura, aquilo que devem sentir os fotógrafos de rali que, sabendo que estão a ultrapassar a barreira de segurança, se colocam no meio da estrada para conseguir "a fotografia" perfeita. Quando chegámos à fábrica tudo parecia normal e inocente. Não havia vivalma, não se ouvia barulho, e havia apenas um edifício gigante vazio e vandalizado, desnudo de personalidade com as suas paredes e chão de betão. 

Quando entrámos, começámos aos poucos a perceber que na verdade não sabíamos onde estávamos a pisar. Não havia nada a não ser escuro, um escuro imenso, por baixo dos nossos pés. Percebemos isso quando vimos no chão uns buracos quadrados, espalhados por todo o andar onde estávamos. Ao espreitar, o Sérgio percebeu que não se via nada com a escuridão, que havia o risco de sem querer cairmos num deles e ir parar ao fundo da fábrica, muitos metros abaixo dos nossos pés (estávamos no piso mais alto, o último piso). 

Ora eu que sou uma cagada com alturas fiquei logo com o coração aos pulos, mas tinha que chegar ao fundo da fábrica, por entre os buracos descobertos, para fotografar os detalhes que avistava. E lá fui, desejosa por saltar dali para fora. Não havia barreiras de segurança ou avisos e bastava um passo mais descuidado para uma queda assustadora e abismal no nada. Soube depois pelos meus tios que os buracos funcionavam como chaminés para libertar os fumos que emanavam dos fornos concentrados abaixo de nós, onde as pedras coziam a altas temperaturas até adquirirem uma cor branca.

Giro, muito giro, mas um bocado assustador! :) 
E vocês, há fábricas de cal, velhas ou novas, fechadas ou em funcionamento, aí para os vossos lados?

Aproveito para vos convidar a visitar as minhas Off Sight partners do costume (Catarina Sousa, Catarina Coelho, Marta Chan e Joana) e as nossas cinco convidadas (Bela, Margarida, Marta Silva, Lucie Lu e Raquel), a quem aproveito desde já para desejar, mais uma vez, as boas-vindas. 

Vamos lá espreitar o que andaram elas a preparar?

20 comentários

  1. Gostei imenso da história da fábrica, sobretudo por estar relativamente perto de Tavira, onde cresci. Não a conhecia e fiquei fascinada com as fotografias que conseguiste. Gostei particularmente daquela em que fotografas de um ângulo mais baixo e apanhas não só o que lá está fora através dos arcos como os vidros no chão.

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    1. Nunca reparaste nela? Fica no nó para a Fuzeta e Moncarapacho, quando vens de Tavira pela A22 e sais na saída para Olhão.

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  2. Isto é tão interessante! Há tanto tempo que não entro num sítio assim. Sabes o que o sítio foi, mas não sabes o que vais encontrar. E depois aparecem estas coisas, tipo a "cat lady" que adorei ahah. Fotografias bem bonitas. :)
    Não tenho conhecimento de nenhuma fábrica do género aqui na zona (Albufeira, pertinho de ti :P). Até há uns anos era o meu avô fazia o cal que utilizava em casa :)

    Automatic Destiny

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  3. Parabéns pelo teu trabalho e por nos teres mostrado uma das milhentas fábricas abandonadas por este país fora...

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  4. A foto dos vidros no chão e a seguinte são as minhas preferidas. Well done! ;)

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    1. Também me chamara a atenção. Na verdade os vidros, os desenhos e as latas de spray eram dos poucos elementos que havia por ali além dos tenebrosos buracos escuros e das paredes de betão.

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  5. Gostei muito da descrição e fiquei com vontade de ir espreitar também. Para além disso gosto muito dos graffitis das meninas. Desde que fiz uma tour sobre isso que me perco nos desenhos e tags. O que é que o próximo mês vai trazer?

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  6. Parece que ambas fomos para indústrias neste mês :p adorei ler a tua história sobre esta fábrica de cal, senti-me a viajar por lá. A cena dos buracos e dos fornos... Creepy! Gostei particular-me das fotos em que mostras detalhes do chão, como os vidros e a lata de tinta usada :) Aqui para os meus lados havia uma grande fábrica cerâmica (que cheguei a fotografar uma chaminé, num dos 6 on 6). Queria entrar lá, porque também está abandonada. Mas esta completamente fechada. Muitas janelas estão bloqueadas com tijolos e acho que a única opção seriam saltar um muro... Já espreitei lá para dentro, mas parece-me perigoso. É pena!

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    1. Em Faro, ao pé da estação de comboio também há uma fábrica brutal fechada e tenho tanta pena de não arranjar uma fresta para conseguir entrar! É tão grande! Deve ser brutalíssima!

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  7. Bem, rapariga, só de ler essa tua descrição dos buracos fiquei com o estômago às voltas - lido bem com escuridão e com alturas, mas com as duas coisas ao mesmo tempo é que não :p andamos mesmo numa onda industrial, e honestamente adoro isso - há sempre algo decadente em ver lugares assim ao abandono, não são histórias pessoais que se contam mas sim histórias de uma comunidade. Sabe-se lá quantas pessoas passaram por aí!

    Jiji

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    1. Também fiquei com o estômago às voltas só de pensar na conjunção escuro/alturas. Só queria tirar as fotos e bazar. E andei sempre passo por passo com os olhos no chão. Não queria por nada ter o azar de não ver um buraco!

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  8. Já tinha comentado com a Catarina que acho as zonas industriais super interessantes de fotografar, e se tiverem ainda as máquinas melhor ainda! Gostei bastante das fotos a preto e branco, e daquela com o pormenor dos vidros no chão! Apesar de ser um sitio com a sua destruição, penso que aqueles desenhos estão tão fofos nas paredes! :)

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    1. Também gosto muitos dos desenhos, por isso é que me foquei tanto neles. Acho que dão um certo contraste face às paredes assustadoras de cimento, pela doçura que deixam transparecer.

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  9. Que bom que tenhas trazido uma fabrica do algarve ao off sight! Ainda por cima um local que costumas passar, deve ter sido como um sonho tornado realidade =)
    A aplicação do preto e branco nessas fotos foi uma ideia de mestre pois resultou muito bem. Tal como a Lucie acho a maior piada aos grafittis nestes espaços, dão uma certa cor e vida ao meio envolvente.

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    1. Passo lá tantas vezes e a verdade é que depois me ocorreu que apesar de sempre me ter suscitado curiosidade, nunca procurei visitá-la nem saber mais sobre ela. O Off Sight obrigou-me a isso e fiquei mesmo contente por finalmente poder ter um motivo para explorá-le.

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  10. Obrigada por esta partilha, Vânia. Adorei o sítio e as tuas fotos!
    Revi-me imenso da parte do texto em que disseste que temeste pela tua segurança porque não sabias exactamente o que estava por baixo dos teus pés. Senti exactamente o mesmo quando visitei o panorâmico do Monsanto, cá em Lisboa.

    Este Off Sight é uma autêntica aventura! :D

    Joan of July

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  11. Parabéns por este vosso projecto, acho bastante interessante, até porque já tinha pensado fotografar alguns projectos meus em casas em ruínas, mas confesso que tenho medo, muito medo😂
    Fotos muito bonitas, adorei.
    Beijinho e bom fim de semana.

    Susana

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    1. E porque não juntares-te a nós Susana, num destes meses? Algumas das que vivem na mesma zona juntam-se para ir juntas fotografar, porque todas temos noção de que pode ser um bocado perigoso! Fica a dica! :)

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