Off sight | A fábrica de cal abandonada
28.2.17
O Off Sight continua conforme previsto no mês passado, e nesta segunda publicação do projeto até temos convidados especiais. Sim, o nosso grupo cresceu, e era mesmo essa a intenção. Contudo, sobre isso falo-vos um pouco mais baixo, porque agora estou mesmo é em pulgas para vos contar como foi fotografar esta velha fábrica de cal que jaz inerte e serena, decadente e tranquila, à saída da A22.
Sempre a senti como uma presença forte, com as suas paredes de betão a ressurgir no meio da vegetação. Na verdade nem a sabia como fábrica de cal. Desde que me lembro de passar naquela estrada, no nó da A22 entre Olhão e Tavira, que via aquele edifício imponente abandonado ao sabor das intempéries e da sua sorte, cada vez mais vandalizado, escrito e riscado, tomado pela vegetação do barrocal algarvio.
Nunca me lembrei de questionar sobre ela e tinha-a apenas como uma velha fábrica de qualquer coisa, certa de que tinha deixado de servir os seus propósitos e ali ficado, assim, parada. Quando surgiu esta ideia de fotografar locais abandonados lembrei-me imediatamente dela, nunca imaginando o que lá poderia encontrar.
Antes de lá ir, perguntei ao meu pai, ao Tio Badé e ao Tio Cálinhas o que foi. Uma antiga fábrica de cal pertencente ao Champalimaud, responderam eles, e mais não sabiam. O tio Cálinhas, lembrava-se ainda de haver outras no algarve, nomeadamente no concelho de Loulé. Eu desconhecia. É fácil perceber que essas fábricas devem ter fechado em virtude da alteração da procura da cal, com cada vez mais pessoas a optar pela tinta para pintar as paredes.
Convenci o Sérgio a acompanhar-me à antiga fábrica, porque me amedrontava um pouco, por não saber quem ou o que é que poderia lá encontrar. Visitámo-la num fim de semana de tréguas da chuva, quando a temperatura estava amena e o sol convidava a fotografar, esforçando-se por romper entre o céu nublado.
Foi entusiasmante descobri-la e nela senti, a determinada altura, aquilo que devem sentir os fotógrafos de rali que, sabendo que estão a ultrapassar a barreira de segurança, se colocam no meio da estrada para conseguir "a fotografia" perfeita. Quando chegámos à fábrica tudo parecia normal e inocente. Não havia vivalma, não se ouvia barulho, e havia apenas um edifício gigante vazio e vandalizado, desnudo de personalidade com as suas paredes e chão de betão.
Quando entrámos, começámos aos poucos a perceber que na verdade não sabíamos onde estávamos a pisar. Não havia nada a não ser escuro, um escuro imenso, por baixo dos nossos pés. Percebemos isso quando vimos no chão uns buracos quadrados, espalhados por todo o andar onde estávamos. Ao espreitar, o Sérgio percebeu que não se via nada com a escuridão, que havia o risco de sem querer cairmos num deles e ir parar ao fundo da fábrica, muitos metros abaixo dos nossos pés (estávamos no piso mais alto, o último piso).
Ora eu que sou uma cagada com alturas fiquei logo com o coração aos pulos, mas tinha que chegar ao fundo da fábrica, por entre os buracos descobertos, para fotografar os detalhes que avistava. E lá fui, desejosa por saltar dali para fora. Não havia barreiras de segurança ou avisos e bastava um passo mais descuidado para uma queda assustadora e abismal no nada. Soube depois pelos meus tios que os buracos funcionavam como chaminés para libertar os fumos que emanavam dos fornos concentrados abaixo de nós, onde as pedras coziam a altas temperaturas até adquirirem uma cor branca.
Giro, muito giro, mas um bocado assustador! :)
E vocês, há fábricas de cal, velhas ou novas, fechadas ou em funcionamento, aí para os vossos lados?
E vocês, há fábricas de cal, velhas ou novas, fechadas ou em funcionamento, aí para os vossos lados?
Aproveito para vos convidar a visitar as minhas Off Sight partners do costume (Catarina Sousa, Catarina Coelho, Marta Chan e Joana) e as nossas cinco convidadas (Bela, Margarida, Marta Silva, Lucie Lu e Raquel), a quem aproveito desde já para desejar, mais uma vez, as boas-vindas.
Vamos lá espreitar o que andaram elas a preparar?
Gostei imenso da história da fábrica, sobretudo por estar relativamente perto de Tavira, onde cresci. Não a conhecia e fiquei fascinada com as fotografias que conseguiste. Gostei particularmente daquela em que fotografas de um ângulo mais baixo e apanhas não só o que lá está fora através dos arcos como os vidros no chão.
ResponderEliminarNunca reparaste nela? Fica no nó para a Fuzeta e Moncarapacho, quando vens de Tavira pela A22 e sais na saída para Olhão.
EliminarIsto é tão interessante! Há tanto tempo que não entro num sítio assim. Sabes o que o sítio foi, mas não sabes o que vais encontrar. E depois aparecem estas coisas, tipo a "cat lady" que adorei ahah. Fotografias bem bonitas. :)
ResponderEliminarNão tenho conhecimento de nenhuma fábrica do género aqui na zona (Albufeira, pertinho de ti :P). Até há uns anos era o meu avô fazia o cal que utilizava em casa :)
Automatic Destiny
Parabéns pelo teu trabalho e por nos teres mostrado uma das milhentas fábricas abandonadas por este país fora...
ResponderEliminarA foto dos vidros no chão e a seguinte são as minhas preferidas. Well done! ;)
ResponderEliminarTambém me chamara a atenção. Na verdade os vidros, os desenhos e as latas de spray eram dos poucos elementos que havia por ali além dos tenebrosos buracos escuros e das paredes de betão.
EliminarGostei muito da descrição e fiquei com vontade de ir espreitar também. Para além disso gosto muito dos graffitis das meninas. Desde que fiz uma tour sobre isso que me perco nos desenhos e tags. O que é que o próximo mês vai trazer?
ResponderEliminarOs desenhos dão-lhe uma certa alma. :D
EliminarParece que ambas fomos para indústrias neste mês :p adorei ler a tua história sobre esta fábrica de cal, senti-me a viajar por lá. A cena dos buracos e dos fornos... Creepy! Gostei particular-me das fotos em que mostras detalhes do chão, como os vidros e a lata de tinta usada :) Aqui para os meus lados havia uma grande fábrica cerâmica (que cheguei a fotografar uma chaminé, num dos 6 on 6). Queria entrar lá, porque também está abandonada. Mas esta completamente fechada. Muitas janelas estão bloqueadas com tijolos e acho que a única opção seriam saltar um muro... Já espreitei lá para dentro, mas parece-me perigoso. É pena!
ResponderEliminarEm Faro, ao pé da estação de comboio também há uma fábrica brutal fechada e tenho tanta pena de não arranjar uma fresta para conseguir entrar! É tão grande! Deve ser brutalíssima!
EliminarBem, rapariga, só de ler essa tua descrição dos buracos fiquei com o estômago às voltas - lido bem com escuridão e com alturas, mas com as duas coisas ao mesmo tempo é que não :p andamos mesmo numa onda industrial, e honestamente adoro isso - há sempre algo decadente em ver lugares assim ao abandono, não são histórias pessoais que se contam mas sim histórias de uma comunidade. Sabe-se lá quantas pessoas passaram por aí!
ResponderEliminarJiji
Também fiquei com o estômago às voltas só de pensar na conjunção escuro/alturas. Só queria tirar as fotos e bazar. E andei sempre passo por passo com os olhos no chão. Não queria por nada ter o azar de não ver um buraco!
EliminarJá tinha comentado com a Catarina que acho as zonas industriais super interessantes de fotografar, e se tiverem ainda as máquinas melhor ainda! Gostei bastante das fotos a preto e branco, e daquela com o pormenor dos vidros no chão! Apesar de ser um sitio com a sua destruição, penso que aqueles desenhos estão tão fofos nas paredes! :)
ResponderEliminarTambém gosto muitos dos desenhos, por isso é que me foquei tanto neles. Acho que dão um certo contraste face às paredes assustadoras de cimento, pela doçura que deixam transparecer.
EliminarQue bom que tenhas trazido uma fabrica do algarve ao off sight! Ainda por cima um local que costumas passar, deve ter sido como um sonho tornado realidade =)
ResponderEliminarA aplicação do preto e branco nessas fotos foi uma ideia de mestre pois resultou muito bem. Tal como a Lucie acho a maior piada aos grafittis nestes espaços, dão uma certa cor e vida ao meio envolvente.
Passo lá tantas vezes e a verdade é que depois me ocorreu que apesar de sempre me ter suscitado curiosidade, nunca procurei visitá-la nem saber mais sobre ela. O Off Sight obrigou-me a isso e fiquei mesmo contente por finalmente poder ter um motivo para explorá-le.
EliminarObrigada por esta partilha, Vânia. Adorei o sítio e as tuas fotos!
ResponderEliminarRevi-me imenso da parte do texto em que disseste que temeste pela tua segurança porque não sabias exactamente o que estava por baixo dos teus pés. Senti exactamente o mesmo quando visitei o panorâmico do Monsanto, cá em Lisboa.
Este Off Sight é uma autêntica aventura! :D
Joan of July
Haha Se é! :D
EliminarParabéns por este vosso projecto, acho bastante interessante, até porque já tinha pensado fotografar alguns projectos meus em casas em ruínas, mas confesso que tenho medo, muito medo😂
ResponderEliminarFotos muito bonitas, adorei.
Beijinho e bom fim de semana.
Susana
E porque não juntares-te a nós Susana, num destes meses? Algumas das que vivem na mesma zona juntam-se para ir juntas fotografar, porque todas temos noção de que pode ser um bocado perigoso! Fica a dica! :)
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