Entrei como sempre, a deitar um primeiro olhar de relance à cómoda antiga que se encontra logo à direita, junto à porta. Disse à avó que tenho que pedir ajuda a alguém para a levar escadas abaixo. A avó já sabe que a vou lixar e envernizar para levar para o T3 no terceiro andar. Sabe porque eu lha pedi há umas semanas atrás quando a analisei cuidadosamente, e percebi que só precisava de ser um pouco melhor estimada. Para a avó é só uma cómoda velha, a que tinha no quarto antes de comprar a mobília mais moderna. Para mim é uma cómoda vintage com valor sentimental, porque resistiu aos anos e pertence aos meus avós. 

Entrei no sótão na esperança de encontrar meia dúzia de copos que me foram oferecidos há uns anos atrás. Lembro-me de serem copos com um pé colorido e retorcido. Eram divertidos e diferentes, e a pessoa que os comprou conhece-me bem, sabe que ia achar-lhes piada. Sei que eles estão por lá algures, dentro de uma caixa, debaixo das mantas e lençóis velhos que a avó usa para proteger as coisas do pó, mas acabei por não os encontrar. Há um motivo para isso, e foi porque que me perdi a olhar para as outras relíquias ali guardadas. 


Tudo começou com as mantas. "Isto é mantas, avó?" "Sim, isso é umas mantas velhas, de lã, tu não queres isso". A avó acha sempre que o que está no sótão não tem valor e que já devia ter ido fora, mas tem preguiça de levar tudo escada abaixo, e por isso as coisas vão ficando. "Posso querer, há umas que dá para usar como tapetes." E dito isto comecei a tirá-las do saco. Heis que encontro uma de lã, daquelas tecidas no tear, com qualidade. A avó explicou-me que eram duas mantas (para mim eram dois tapetes) e que ela as coseu para fazerem uma manta maior, que antigamente as pessoas faziam assim. Tinha umas riscas castanhas na horizontal que não batiam certo, no seguimento de uma manta para a outra. Percebi-lhes o defeito: por serem de fabrico artesanal, pareciam iguais, mas não o eram ao milímetro. Pensei que dali haveriam de sair dois bons tapetes, quando separados, e que não havia a mínima hipótese daquilo parecer uma manta.

"E isto creme, o que é?". Ah, isso são uns sacos de linho que usávamos para transportar a farinha e os cereais." A avó achava que já deviam estar esburacados do bicho, mas depois vimos que não. "Para que é que tu queres isso?". Expliquei-lhe que podem servir para muita coisa, por exemplo colocar na dispensa e guardar batatass, que gostam de estar no escuro. Pedi-lhe que os guardasse para ir buscá-los mais tarde.  


Depois abri uma gaveta e lá encontrei uma bolsa de retalhos, daquelas para guardar o pão. O tecido tinha um ar desgastado, mas achei-lhe muita piada. "Isso é uma bolsa velha, tenho que deitar isso fora". Expliquei-lhe que às vezes quando vou comer tapas às tascas modernas, trazem o pão corto naqueles saquinhos de retalhos e colocam em cima da mesa. A avó riu-se e disse-me que tem outras duas, numa gaveta lá em casa, lavadas e como novas, e que ficasse com elas, se quisesse. 

Saí do sótão sem os copos, mas com dois tapetes (ou uma manta, vá!), três bolsas de retalhos e uns quantos sacos de linho creme, mais a certeza de que num destes dias tenho que lá voltar.

5 comentários

  1. Que bom encontrar coisas "novas" para nós mas já antigas e com história da família. Assim tem mais valor :)

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  2. Ai... os sótãos das avós!... Que boas recordações me vieram à memória neste preciso momento...
    Lembro-me tão bem de brincar no meio das coisas antigas dos meus avós (eu e as minhas primas) e vestir roupas que por lá andavam. Era mesmo bom. <3
    E, a tua avó não entende, mas essas relíquias são tão maravilhosas para nós. :)

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  3. Hahaha volta e sairás de lá com mais umas quantas coisas na mão! Com criatividade e imaginação consegue se dar a volta a muita coisa☺☺

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  4. Encontraste uns belos tesouros! Muitas pessoas já não dão valor a certas coisas!

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