Foram 7 dias de viagem e bem mais de 1.600 quilómetros percorridos de carro. Aterrámos em Marraquexe e seguimos no dia seguinte para norte, em direção à cidade portuguesa de Mazagão (El Jadida). Aí vimos o Atlântico e as ruelas da cidade, fomos ao mercado e jantámos uma sandes na rua junto aos montes de lixo, mesmo atrás da banca do vendedor onde as tínhamos comprado. A sua grelha fumegava e haviam mil e um cheiros a especiarias pelo ar. As sandes estavam fantásticas, e não nos cansávamos de comentar isso. Aí vimos o caixote que continha os pães utilizados nas sandes ser derrubado por um gato. O pão caiu no chão, no meio do lixo, naquela podridão, e foi apanhado e guardado novamente. Continuou a servir para as sandes como se nada se tivesse passado. Nós já estávamos no fim da refeição e foi quando percebemos que ali não valia a pena pensarmos muito nas coisas. Já tinha começado a aventura. 


Visitámos muitos outros sítios no caminho de ida e volta para Merzouga, onde passaríamos a noite no deserto. Esse era o grande destino: poder estar numa imensidão de areia e dunas douradas até perder de vista. Para o conseguir não estivemos mais de um dia no mesmo lugar, e cada noite foi passada num alojamento diferente. Aconteceu-nos de tudo: fomos multados, tivemos falta de água quente para o banho, de toalhas para nos limparmos, e uma noite desconfortante numa tenda, no frio gritante do deserto. Tivemos também salamandra no quarto e paredes forradas a madeira, no frio Vale du Dades. Acordámos algumas noites às cinco da manhã com os chamamentos para a primeira oração do dia. Não obstante tudo isto, os lençóis e mantas que nos tapavam tinham sempre o cheiro doce da limpeza, e contámos sempre com alguém para nos acolher, mesmo quando chegávamos tarde e cansados de tantos quilómetros.   


Aprendemos a não nos sentirmos estranhos, atentos a tudo e receosos. Não havia perigos, nunca houve, e acabámos por relaxar. Concluímos que é provavelmente muito mais seguro viajar de carro ali do que em Portugal, pois há policiamento na aproximação a cada cidade, outras vezes encontra-se polícia no meio do nada, de dia e de noite, e gente a pedir boleia nas bermas da estrada em todo o lado. As pessoas sentem-se seguras, e nós acabámos por acreditar que tínhamos motivos para nos sentirmos assim também. 


Percorremos tantos quilómetros e nunca nos sentimos sozinhos, nem quando estávamos a fazer estradas serpenteando entre curvas apertadas, à beira de penhascos, ou quando só víamos o quase nada dos desertos. Havia sempre gente sentada, a caminhar, de carro, camião, de bicicleta, de burro ou a cavalo. Vimos gente disposta a ajudar em todos os cantos. Encontrámos muitas formas de oportunismo disfarçado de acolhimento, mas não sentimos maldade nas pessoas. A necessidade torna-nos engenhosos, e Marrocos é um país de gente que precisa ser ardilosa para ganhar algum sustento.     


Encontrámos gente que nos contou pacientemente histórias de vida, religião, cultura e lugares. Perguntámos sobre assuntos mais complexos como as mulheres, as rezas e as mesquitas. Eu, tão defensora dos direitos das mulheres, com opinião tão formada acerca da religião, deixei em casa as opiniões. Ouvi o outro lado da história e não julguei. Entendi que Marrocos tem berberes, muçulmanos e mulheres vestidas com muitos tipos de trajes diferentes. Tem gente que é dona do seu tempo, e outra a quem os dias e a liberdade são uma condicionante ditada pela história e pelos costumes. Há de tudo, vê-se de tudo. Há uma certa ordem no caos dos lugares por onde passámos. Senti-me em casa muitas vezes e agora que penso nisso, não me importava de lá voltar. Acho que nunca senti isto em relação a nenhum dos países que visitei. Esta viagem marcou-me, e acho que me mudou um bocadinho.
   

Foi um ano de Off sight. Um ano que chegou ao fim. Obrigada partners in crime por serem tão brilhantes na fotografia, nos textos e na forma como nos organizámos em backstage para conseguir manter tudo isto por doze meses sem interregno. Foi tudo descomplicado com vocês e isso é tão bom! Na verdade, agora que penso nisso, foram dois anos nisto, ou não viesse este projeto fotográfico na continuidade do 6 on 6. Aprendi muito, e desafiou-me de muitas formas. Obrigada pela confiança, e espero ter acrescentado algo positivo com as minhas publicações. Que 2018 nos traga a todo(a)s o melhor. Encontramo-nos por aí e, se quiserem, por aqui também. Beijinho grande!

E vocês, querem espreitar de que forma encerram as minhas partners estes doze meses de projeto? Follow meee!!

8 comentários

  1. E mais uma vez, não sei se gosto mais das fotos ou do texto :) e do toque original de teres usado imagens a preto e branco - confesso, o mau coração apaixonado por cores estava à espera delas, mas mesmo assim não desiludiste! A atmosfera das imagens bate tão certo com as histórias que contas. Com o quebrar de preconceitos. E agora quero ainda mais ir a Marrocos - e espero ter a mesma abertura que tu!

    Bom 2018, partner <3

    Jiji

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    1. As cores eram muito vibrantes, mas ando tão apaixonada por fotos a preto e branco que optei por editá-los e acho que ficaram igualmente bem. Vai haver mais fotos de Marrocos no blogue, assim como relatos da viagem. Foi tão interessante esta road trip por marrocos que vale bem a pena partilhá-la caso alguém se queira inspirar. :)

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  2. Que grande aventura por terras de desertos e camelos :)) Fotos fantásticas

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  3. Que viagem do caraças hein! Esse relato com detalhes tão cultura marroquina fizeram-me viajar para lá mais uma vez. Uma dessas pessoas a pedir boleia podia ser eu hehe E oh levaram uma multa porque carga de água? :P

    Estou deslumbrada com as tuas fotos, mesmo! A expressão na cara da senhora à sua porta é tão genuina e o desfoco dos berberes a tocar instrumentos é perfeito, sinto-me a acampar convosco e quase consigo ouvir a musicalidade.

    Muito obrigada por embarcares neste projecto connosco, a fotografia corre-te nas veias. Assim como as palavras.

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    1. Obrigada Marta. A multa foi porque numa estrada de 90 klm de curvas e penhascos, seguíamos atrás de dois camiões e de repente apareceu uma recta... ultrapassei e só quando já estava no ato é que reparei no traço contínuo. E fui apanhada.

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